Foto: Tiago Medeiros |
Se a tranquilidade tivesse que escolher uma capital em São
Paulo, Pradopólis seria uma das favoritas à vaga. A 336 quilômetros da capital
paulista, a cidadezinha de 17 mil habitantes se orgulha de ter a vida simples
como patrimônio. Mas um pradopolense, por muito tempo, escolheu a agitação como
meio de vida e quase comprometeu uma carreira vitoriosa com isso. O sucesso
veio na velocidade de um cometa na vida de Cícero João, o Cicinho.
Em menos de seis anos, o garoto revelado pelo Botafogo-SP
chegava ao estrelato: titular da Seleção Brasileira e do 'galático' Real
Madrid. A trajetória vencedora agiu como uma cortina escondendo os problemas
que perseguiram o jogador até pouco: o alcoolismo. Vício que fez Cicinho pensar
em largar o futebol.
O lateral do Sport falou sobre a relação com a bebida e que
encontrou forças para superar o drama no amor pela mulher.
- Eu me deixei levar pela fama, o sucesso. Deixei o dinheiro
subir para minha cabeça e me achava capaz de tudo. Passei dos limites.
Babilônia mineira
Do Botafogo-SP, Cicinho se transferiu para o Atlético-MG,
onde chegou com a missão de substituir Mancini. Foi bem em campo, mas vacilou
fora dele, e acabou sendo emprestado ao Botafogo-RJ.
- Eu só queria andar com os jogadores mais velhos e me
lembro que o presidente (Alexandre Kalil) me dizia: "Vai sair com os mais
velhos? Garoto,se liga senão eu vou colocar você para fora."
A mudança para Belo Horizonte trouxe um turbilhão de
novidades à vida de Cicinho.
A popularidade e o dinheiro deram ao jogador o falso poder
de achar que era capaz de tudo.
- Eu ganhava R$ 800 no Botafogo-SP e fui para o Atlético-MG
para ganhar R$ 7.800.
Achava que estava rico, pegava R$ 1.000 e mandava para os
meus pais. E o resto do dinheiro eu torrava em balada e festa.
No clube mineiro, também teve problemas com o então técnico
Levir Culpi. Depois de uma passagem apagada pelo Botafogo, voltou ao Galo e
reencontrou o bom futebol. Mas após uma briga na Justiça com o clube mineiro,
se transferiu para o São Paulo.
Do Tricolor à amarelinha
No São Paulo, Cicinho brilhou. Conquistou o Paulista, a
Libertadores e o Mundial, em 2005. O tricolor foi uma ponte para a Seleção,
onde foi campeão da Copa das Confederações em 2005. E e no ano seguinte fez
parte do grupo que disputou o Mundial da Alemanha. Com a amarelinha foram 15
jogos, um gol marcado e o sentimento de que poderia ter feito ainda mais, se
não fosse o gosto pela bebida.
- Se eu tivesse sido profissional, estaria brigando para ir
à Seleção, mas não quis brigar por isso e entreguei de mãos beijadas a vaga.
Ego galático
A conquista do Mundial pelo São Paulo e da Copa das
Confederações pelo Brasil crendeciaram Cicinho a se transferir para o Real
Madrid, que tinha no elenco astros como Beckham, Ronaldo, Roberto Carlos e
Zinedine Zidane. Cicinho vinha bem no Real até sofrer uma séria lesão no
joelho, que o afastou dos gramados por seis meses. A chegada a um dos maiores
clubes do planeta inflou o ego do jogador, que se sentiu ainda mais 'dono do
mundo'.
- Quando o avião subiu para Madri, minha cabeça foi junto, o
sucesso subiu igual a um foguete. Eu queria ser dono de tudo. Por exemplo, eu
chegava numa choperia e mandava o cara abrir para mim dizendo que eu ía beber
tudo lá.
Após voltar da cirurgia, Cicinho acabou perdendo espaço no
Real e foi vendido ao Roma da Itália, onde passou a receber um salário maior do
que tinha no clube merengue. Na Itália, Cicinho teve a companhia de Adriano,
mas garante não ter compartilhado os excessos fora de campo com o atacante.
A passagem pela Itália foi longa (quase cinco anos), mas não
muito proveitosa. Esteve em campo em 72 partidas, marcando três gols, mas
voltou a viver um novo drama na carreira, ao ter que operar o joelho direito
pela segunda vez em menos de dois anos. Diferentemente da primeira lesão,
Cicinho não se dedicou na recuperação e voltou aos gramados um ano depois.
- Aquela lesão mexeu com a minha cabeça. Eu senti o baque.
Fui fazer minha recuperação na minha cidade (Pradopólis) e ia para a
fisioterapia pela manhã, à tarde e logo depois emendava num churrasco -
lembrou.
Sofrimento da família
Mesmo com o filho conhecendo os luxos proporcionados pelo
futebol, Dirce e Cláudio, pais do lateral, mantiveram a vida tranquila em
Pradopólis. Nas férias, Cicinho sempre visitava os pais. Presente no espaço,
mas distante no carinho.
- Eu fazia da casa dos meus pais um ambiente para as minhas
festas. Lembro que minha mãe fez um aniversário e eu chamei um monte de amigos
meus. Havia umas 200 pessoas na festa, e minha mãe não conhecia metade daquela
gente.
Mesmo em sua cidade natal, convivendo com as pessoas que o
conheciam desde a infância, Cicinho continuava desrespeitando os limites.
- Já cheguei ao ponto de, no melhor hotel da minha cidade,
enquanto o cara fazia o meu check-in , às três da manhã, eu fazia xixi no
saguão do hotel - se recordou, com um sorriso amarelo no rosto.
A bebida distanciou Cicinho também do filho Heitor, hoje com
cinco anos. Cicinho carrega no braço direito o nome do primogênito tatuado, e
por muito tempo esse foi o contato mais próximo que permanecia com ele.
- Eu tentava 'comprar' o amor do meu filho com presentes.
Ele me chamava para jogar bola e eu falava que estava jogando baralho, tomando
uma cerveja. Eu deixei muito a desejar com meus pais e meu filho.
A profecia do pastor
O mesmo roteiro do Real Madrid se repetiu no Roma. Cicinho
começou bem pelo clube italiano, mas caiu de rendimento, e em 2010 chegou a ser
emprestado para o São Paulo. De volta à velha casa, o lateral não apresentou
nem uma vaga lembrança do futebol da primeira passagem.
- Eu faltei com o São Paulo na minha segunda passagem.
Queria nada com nada.
Cumpriu o contrato de empréstimo e voltou para o Roma, onde
perdeu espaço e acabou novamente emprestado ao Villareal da Espanha. Lá, esteve
em campo em apenas sete jogos até voltar para a Itália. Entregue ao alcoolismo
e sem perspectivas de futuro, Cicinho pensou em largar o futebol. Evangélico,
foi para um congresso em Manaus, quando ouviu de um pastor uma vontade, que
mais tarde se transformaria numa 'profecia'.
- Havia um pastor aqui do Recife chamado Daniel que orou por mim e disse que eu ia voltar a
jogar futebol no Sport. Dias depois, o pessoal aqui do clube entrou em contato
comigo.
Resgatado por Marri
Foto: Tiago Medeiros |
Os tempos de Roma não foram de todo ruim para Cicinho. Na
capital italiana, por intermédio de amigos em comum, ele conheceu a estudante
Marri. Os olhos castanhos e os cabelos loiros da jovem goiana encantaram
Cicinho, desconhecido para ela, que jamais gostou de futebol. A paquera no
inicio não deu certo, e os dois só voltaram a se reencontrar quando o jogador
retornou da passagem pela Espanha, em agosto do ano passado.
A amizade permaneceu, e, depois de resistir bastante, Marri
cedeu aos flertes de Cicinho. O namoro começou, e a desconfiança veio a
reboque.
- Eu passei um 'bocado' com ele também. Quando nos
reencontramos, ele estava numa das piores fases, bebia todos os dias e as
pessoas vinham até mim e diziam que ele estava aprontando. Eu falava: "Meu
Deus, eu não estou com esse garoto para ser traída" - recordou.
Em Marri, Cicinho encontrou o caminho para largar a bebida,
mas redescobriu uma paixão antiga: o futebol. Os dois se casaram em junho deste
ano e dias depois o jogador assinava contrato com o Sport. Felizes, os dois
curtem a lua de mel no Recife.
- O amor que ela sente por mim, que eu sinto por ela, fez
com que eu retomasse o amor que eu sinto pela minha vida. E assim eu percebi
que não posso desperdiçar o que Deus me deu, o dom de jogar futebol. Estou
muito feliz no Sport, num clube que me acolheu numa cidade maravilhosa, e quero
fazer história aqui como o Magrão, que é um ídolo do clube - disse Cicinho.
Foto: Tiago Medeiros |
- O Cicinho representa o amor para mim, e o amor é a base, a
função de tudo. Ele pode contar comigo pro que der e vier - garantiu Marri
Aos 32 anos, Cicinho é titular do Sport, está livre do
álcool,se reaproximou do filho, já pensa em encomendar outro e tem curtido o
'dia' do Recife ao lado de sua 'salvadora'. Na vitória do amor, Cicinho
também saiu vencedor.
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